quarta-feira, 30 de junho de 2010

Seres Biologicos


Aproveitando a manhã livre resolvi dar um passeio pelo bairro. Havia muito tempo que não me entregava a este prazer. Descendo a rua, a primeira coisa que notei foi a dificuldade de desviar das cacas de cahorro que voltaram a infestar as ruas. Acho que neste tempos de copa do mundo, com tanta gente tocando seus neoberrantes vuvuzélicos o povo esqueceu que estava indo pelo bom caminho. Na esquina, nove horas da manhã, um grupo de policiais, vestidos de preto com sua viatura parada sobre a calçada tomava uma cervejinha. Me olharam de solaio naquela costumeira atitude paranóica que é tão peculiar aos membros deste tipo de instituição talvez temendo que eu fosse um contraventor, um corregedor ou ainda pior, um jornalista. Continuei meu caminho imerso em minhas reflexões lembrando que não me encaixava em nenhum destes perfis.

Atravessando a rua vi o Instituto Biológico imponente, com seu ar de castelo mal assombrado que nunca havia visitado. Passei pela portaria e dei bom dia para os guardas da segurança, mas eles estavam ocupados em comprar Yakult da mulher com o carrinho e não deram muita atenção a minha entrada. Caminhei em direção a parte posterior do majestoso edifício e deparei com uma enorme plantação de café. Uma placa enorme indicava o numero de pés e seu propósito. Indicava tambem 15.000 pés de pau brasil que não consegui localizar. Rodeando o prédio olhei por algumas janelas e vi laboratórios vazios, imaginei que talvez fosse muito cedo para estarem em atividade. Ai vi que haviam varios vidros quebrados e imaginei como seria num dia de chuva, com a agua entrando por todas as salas ou mesmo em dias frios que congelariam os pés dos funcionários.

Contornando o cafezal notei alguns edificios sendo renovados pois haviam pedreiros, materiais de construção e faltavam agumas janelas. Mais adiante haviam estufas destas onde se fazem culturas botanicas mas estavam todas vazias, o mato crescia dentro das bombas de arejamento e a poeira cobria quase toda a transparencia dos vidros. Deviam ser umas 20, todas no mesmo estado. Derrepente avistei uma delas com a porta aberta e movido pela curiosidade adentrei o ambiente. Duas pesquisadoras laboriosas me olharam como se houvesse saido de uma nave espacial. Dei bom dia e sai meio desconcertado pelo incomodo causado.

Fui até o fim da construção e ao retornar fui interpelado por uma delas. Educadamente me perguntou se buscava alguma informação. Tirei meu boné. Disse-lhe que apenas estava visitando o instituto e fui informado que isto era proibido. Ela me contou que ali se faziam analises de sementes estrangeiras para checar compatibilidade com a nossa flora, presença de doenças estrangeiras e analise geral dos componentes botanicos trazidos do exterior. Disse tratar-se de assunto de segurança nacional e por este motivo as visitas so seriam benvindas quando devidamente agendadas. Argumentei que o instituto ficava dentro do Parque do Ibirapuera e ela me informou que era ao contrário, que o parque é que ficava dentro do Instituto Biológico.

Abusando um pouco de sua generosidade, fiz algumas perguntas para me localizar melhor e recebi informações interessantes a respeito desta instituição. Ela me disse por exemplo que o governo federal liberou verbas para pesquisa e equipamentos mas que apesar disso os edificios do Instituto se encontravam assim decadentes por terem sido tombados pelo Condephaat. Desta maneira não poderiam ser reformados pois os materiais utilizados na construção original so podiam ser tocados por especialistas. Olhei para tras e vi que faltava uma grande parte deste raro reboco que deixava a vista os tijolos. Era triste como uma velha de calcinhas. Nada mais podia ser feito para devolver a dignidade as elegantes formas do edifício. Vi em minha mente, equipamenos sensiveis sob as goteiras, materiais tecnicos importados encostados em paredes verde de musgo e lembrei que o descaso estatal era soberano neste processo de sucatização de orgãos produtivos e que eu era apenas um cidadão comum passeando no bairro.

Uma vez definido meu status de invasor, me desculpei e agradeci pelas informações desejando que estes problemas fossem logo sanados para que seu trabalho pudesse reverter em avanços e melhorias para o país. Puz de novo meu boné e fui embora.

domingo, 27 de junho de 2010

Colecionando coleções colectáveis.


Uma vez um amigo me disse que colecionadores são pessoas tristes. Até hoje não entendi. Coleciono um monte de coisas. Cds de rock progressivo, filmes de ficção científica, lápis de cor, miniaturas de espaçonaves e mais um monte de bobagens. Não me apego muito aos itens, na verdade se alguem gostar, leva. Obviamente não dou o que uso se não for conseguir outro. Um disco dos Beatles tem mais chance de virar presente que um do Flash.

Tenho um amigo que coleciona guitarras Fender. Ele curte. Atravessa o mundo atras do modelo com o qual sonhou ou viu num catálogo. Quando obtem o item, fica satisfeito e não me parece que isso o transform numa pessoa triste, na verdade ele fica exultante com novos objetivos e velhas conquistas. Um dia ele me deu uma. Quando fui na casa de um amigo em comum descobri que havia dado uma a ele tambem. Provavelmente presentear os amigos com guitarras o deixa satisfeito consigo mesmo, o faz se sentir bem. Se não fossem as guitarras seriam frase inteligentes ou qualquer coisa que colecionasse. Isso me estimulou a estudar mais musica, coisa que sempre negligenciei

As coleções dão um certo expertize as pessoas. Quem coleciona locomotivas eletricas sabe tudo sobre este universo, os modelos Märklin de 1936, Lionel, sistema H.O., trilhos, vagões, controladores, montanhinhas, pessoinhas em escala, estações, enfim todo um planeta ferromodelista. Alguns ocupam-se com estes brinquedos pois alguns de nós nunca crescem. Conheço gente que coleciona maquinas fotográficas, motocicletas, botões, mâscaras africanas, santos de madeira, gibis, essencias e aromas, as coisas mais inesperadas. Isso não é a vida delas, mas é ao que parece um passatempo divertido.

Ha no entanto pessoas que colecionam coisas inverossimeis que não servem para nada como jornais velhos, potes de vidro, tomadas, parafusos, paninhos, canetas sem carga, pilhas usadas e neste caso acho que chega a beira de ser quase uma doença. Conheço gente que tem a casa entupida de bagulhos de diversos generos, dá a impressão que temem o futuro, que podem precisar ler algum jornal velho, precisar de um pote ou ficam simplesmente com pena de jogar fora algo tão bonito. Acho que era isso que meu amigo se referia.

O colecionar na verdade não pode ser confundido com o juntar. Ha tambem de se ter uma inclinação, algo que delimite um território de conhecimento específico, algo que personalize a vida. Acho estupido colecionar figurinhas que vendem na banca de jornais, mas acho interessante colecionar cartões postais, selos, barcos, canetas tinteiro, coisas que preencham nossa atividade intelectual. Sempre encontramos pessoas que colecionam coisas que colecionamos, são novas amizades movidas por algum interesse comum, gente que tem hábitos coincidentes ou gostos parecidos com os nossos. Encher a casa de tralhas fecha o fluxo de entrada em nossas vidas, colecionar parece causar o movimento oposto, mesmo se colecionarmos apenas algo tão comum como bons livros.

Morremos todos, e sabemos que nada disso vai pra tumba, não somos faraós egipcios, nem mesmo vai nosso espirito ficar rondando nossa coleção de tampinhas de cerveja o dia em que batermos as botas. Ha coleções que podemos levar para o alem, como as boas amizades, feitos benevolentes, conhecimentos, mas isso não se pode colocar numa estante.

Quando me sinto acuado ou com raiva, meu primeiro instinto é botar fogo em minhas coleções ou pisotear os itens, prova de que estou insatisfeito comigo mesmo. Quem junta coisas, quando fica com raiva, se esconde no meio da montanha de cacarecos. Parece que isso oferece proteção contra o mundo e as coisas que acontecem. Seja la como for colecionar parece ser muito humano. Nenhum bicho coleciona coisa alguma, o que da uma dica de que talvez colecionar seja errado. Mas a maioria das coisas que o ser humano faz é errado. Imagino se numa sociedade ideal as pessoas colecionariam alguma coisa.

sábado, 19 de junho de 2010

Abstração humana

Estava vendo um filme abstraindo sobre a vida em um outro planeta. Ha uma boa quantidade deles que ensaiam sociedades exoterrestres. Parece que a medida que vão se fazendo filmes de ficção cientifica, do tipo espacial, uns vão inspirando os outros numa jornada criativa onde se especula e projeta a possibilidade de um tipo diferente de vida algures no universo. Curioso notar que a preferencia é dada para seres humanoides com um tipo de relação social muito próxima da que temos. Deve ter a ver com Marketing. Neste filme, como em outros, existe compra, venda, propriedade, dinheiro, trabalho, valores tão diretamente humanos que a extrapolação fica sendo puramente estética. A forma parece ser o que mais preocupa a imaginação dos autores. Na verdade deveriamos tentar imaginar valores relacionais alienígenas, cortar coisa improváveis como família, religião, sistema financeiro, parentesco, linguagem e mesmo formas ou pensamento. Talvez haja espaço neste universo para alocar seres pouco convencionais que nossa imaginação eventualmente não ouse supor.

Seriamos sábios se observassemos a natureza mais do que observamos os livros santos. A natureza contem o código para entendermos o universo. E é um grande universo. Imaginemos um planeta com seres vivos. A vida pode não ser exatamente baseada em Carbono, os seres não precisam necessariamente serem móveis, podem viver simbióticamente com outras formas de vida para manter o ciclo de energia, podem não precisarem de luz ou a enxergarem sob outro espectro cromático. Mas mesmo se fossem humanoides poderiam, por exemplo, não entender o que é possuir. Poderiam não entender nosso conceito de individualidade, poderiam ter vários sexos ou nenhum, teriam outros Leit Motiv, motivações imcompreensíveis para nós, outros sentidos, diferentes dos nossos, para perceber coisas que fossem pertinentes a sua existencia em um ambiente imponderável.

Eventuamente alguma variação destas incontáveis possibilidades pode ter alcançado um nivel de evolução que permita passear pelo o universo e visitar planetas ao acaso. Podem ser bons e podem ser ruins. Podem tambem não ser nenhum nem outro mas representarem um perigo a nossa existencia ou para a deles mesmo. Imaginemos quantos microbios contemos e se um destes bichinhos resolve passear por uma possivel laringe extraterrena e causar uma gripe terráquea que dizima toda uma espécie em um planeta distante. Ou se um micróbio espacial tivesse pegado carona com o visitante. Ha filmes explorando tambem essa possibilidade. Estes filmes certamente não são base científica para afirmações mas a ciência pode tampouco prever a infinitesimal grandeza do universo. A abstração pertence a todo genero humano

Como muita coisa é possivel temos tambem de considerar as dimensões. O escritor e filósofo francês Voltaire escreveu Micromegas em 1732, conto este que foi banido pela igreja no mesmo ano. Tratava-se das viagens espaciais de um filósofo pelo cosmos. O que mais chama a atenção são as dimensões dos seres que encontra. Alguns tem vários quilometros de altura e a comunicação é bastante difícil outros são minúsculos e mesmo ve-los é custoso. O autor considera tambem o numero de sentidos e longevidade em taxas exponenciais. Todos os viajantes que encontram são tambem filósofos e eles discutem as diferenças entre os seres. Jules Verne, Huxley, Lem, Arthur Clark, Poe, Wells, Thorwald, Asimov, Strugatsky, Dike e tantos outros criaram seus mundos imaginários, abstrairam.

Como sabemos que tudo é feito de energia, elemento compositivo dos atomos e eletrons podemos imaginar que as propriedades moleculares talvez não sejam as mesmas que as nossas criando assim invisibilidades, transponibilades e toda sorte de extravagancias físicas. Se enrolassemos um filme em torno do planeta, um fotograma seria o que enxergamos de nossa galáxia. Bom, são trilhões de galáxias. Com nossa lunetinha de brinquedo, o Hubble, podemos ver estrelas ingasgavelmente gigantescas a milhares de anos luz daqui. Mas não sabemos se, de muito mais longe, alguem está olhando pra gente de um telescópio galáctico profissional. Tambem não sabemos se o monte de ondas de rádio que mandamos de la pra ca com toda a informação sobre nossa civilização pode ser entendida por algum radio amador cósmico.

Sabemos em nosso intimo que temos uma energia inteligente dentro de nossos corpos animais e muitos lidam com isso de maneira diferente. Uns rezam, outros tem contatos, e outros tem fé. Não se pode dizer com certeza como isso funciona pois nunca paramos para olhar a questão com seriedade ou honestidade. A somatória dos estudiosos de diferentes areas contem a chave para estes enigmas. Mas eles não se unem nem se livram de seus dogmas deixando o conhecimento fragmentado e flutuante num eter de dúvidas.

Demorou centenas de anos para chegarmos a um bilhão, hoje é um bilhão a cada 20 anos e em progressão geométrica. Logo seremos tantos que não mais caberemos no planeta. Claro que a possibilidade de uma catastrofe mundial não pode ser descartada pois é o que observamos que acontece de tempos em tempos, como descrito na historia, o que acaba controlando a demografia, não estou vaticinando, so estou abstraindo.

Meu bisavô viu o nascimento da luz elétrica. Meu avô viu o do radio. Meu pai viu o da TV. Eu vi o do computador. Se os politicos e os militares permitirem, meus filhos vão ver o computador quântico e meus netos vão presenciar algo que ainda nem passa pela minha imaginação. Isso se continuarmos abstraindo.